segunda-feira, 2 de junho de 2014

Crime: Infância trocada pelo trabalho.

No quadrimestre, o Disque 100 recebeu 34 denúncias de exploração da mão.

Sorriso tímido e um olhar vazio de quem ainda não sabe o que esperar do futuro. Nas mãos, marcas provocadas pelo esforço diário de quem conduz uma rédea. Apesar do corpo franzino e estatura comum entre os meninos da sua idade, aos 9 anos João apresenta traços de uma criança que amadureceu antes do tempo. A pele queimada pelo sol é o registro de quem acorda antes das 5h, para percorrer as ruas dos bairros da Torre e do Centro de João Pessoa, e chegar em casa somente às 11h, quando já é hora de se preparar para ir à escola.

Dos sete filhos da dona de casa Maria de Fátima, João é o terceiro e o mais velho dos dois meninos da casa. O outro garoto tem apenas 10 meses. Ao contrário dos meninos da vizinhança, que gostam de brincar na calçada e jogar bola no colégio, a mãe conta que quando João está em casa assiste desenhos na televisão, sendo “Transformers” o favorito.

“Dentro de casa ele fica só. Sentado no canto dele assistindo.

Na escola, os professores comentam que ele é do mesmo jeito. Não bagunça e fica quieto na sala”, revela Maria de Fátima. Ao contrário dos heróis e vilões do desenho animado, que têm a capacidade de se transformar em veículos, o garoto perdeu o comportamento de criança e transformou-se em adulto. “Gosto de sair com meu pai, ajudar ele a catar papel, latinha e ficar olhando as coisas na rua”, revela João, enquanto ajuda o pai a amarrar ao poste os dois jumentos que puxam a carroça.

A realidade do garoto é mais uma entre dezenas de casos de trabalho infantil existentes em João Pessoa e na Região Metropolitana. Somente de janeiro até abril deste ano, a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República recebeu, através do Disque 100, 34 denúncias de exploração da mão de obra infantil na Paraíba. Durante o ano passado foram 235 e o Estado ocupou a nona colocação no país e segundo lugar no Nordeste no número de queixas. Ainda segundo os dados, as crianças do sexo masculino e de cor parda estão no perfil das mais exploradas, conforme os denunciantes.

João repete a trajetória do pai. Desde os sete anos, José conta que ele e outros 11 irmãos foram abandonados pelo pai ainda na infância e coube à mãe trazer o sustento para a casa. Criado ao lado do lixão do Róger, onde conheceu Maria de Fátima e decidiram formar família, o catador revela que desde cedo abandonou a escola e teve que trabalhar para ajudar a mãe.

“Na minha família todo mundo veio da crise. Um tinha que ajudar ao outro, senão iria morrer todo mundo de fome. Tinham 12 meninos para ela (mãe dele) dar conta. João ajuda devagarinho e contribui para vender o material. Às vezes, eu nem quero que ele vá. Mas ele fica meio triste, aí eu deixo”, contou José, que se casou com Maria de Fátima aos 17 anos e ela, na época, tinha apenas 13.

Com a venda do material reciclável coletado nas ruas, José consegue, em média, R$40 por dia. A renda da casa é complementada com o dinheiro do Bolsa Família, vindo do cadastro de João e de outras três irmãs dele, de 12, 10 e 6 anos. O catador admite que o apoio do filho no trabalho ajuda na renda diária. Porém, lamenta a falta de recursos para proporcionar uma vida melhor às crianças. “Se eu tivesse condições, ele estaria fazendo um curso de música ou alguma outra coisa que ele gostasse”, relata.

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