Após mais três casos de vítimas esfaqueadas nesta sexta-feira no Rio, a Câmara dos Deputados decidiu desengavetar um projeto de lei, apresentado há 11 anos, que criminaliza o porte de arma branca nas ruas. Diante do clamor público, que se intensificou com a morte do cardiologista Jaime Gold — atacado por ladrões na noite de terça-feira na Lagoa —, o líder do PMDB, Leonardo Picciani, pediu o desarquivamento da proposta, protocolada em 2004 pelo deputado Lincoln Portela (PR-MG). O texto deve receber emendas, já que é considerado brando. Em vez de três meses a um ano de detenção e multa, o que abriria brecha para os suspeitos responderem em liberdade, Picciani defende que a pena mínima seja de três anos, de modo a que o acusado de porte de facas ou qualquer objeto cortante seja mantido preso.
O deputado protocolou nesta sexta-feira um pedido de audiência pública para discutir o projeto com autoridades de segurança, integrantes do Judiciário e da sociedade civil. A sugestão para retirar o projeto da gaveta foi feita pela ex-chefe da Polícia Civil e deputada estadual Marta Rocha (PSD). Picciani explica que a proposta deve prever exceções para quem faça uso de faca no trabalho. Hoje, o porte de arma branca é considerado contravenção, e mesmo assim se for possível caracterizar a intenção de fazer uso criminoso do objeto.
— O objetivo é evitar que adolescentes e adultos usem facas para cometer crimes — conta Picciani, que trabalhará junto ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), a fim de obter o apoio dele para aprovar o projeto.
Segundo Lincoln Portela, as estatísticas de crimes cometidos com facas vêm crescendo:
— O número tem aumentado porque há um vazio legal. Há muitos casos no Nordeste e no interior do país. Os últimos ataques lançaram luz sobre o projeto, e agora deve ser mais fácil aprová-lo.
A proibição do porte de armas branca também tem o apoio do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ), Felipe Santa Cruz. Para ele, a sociedade não pode ficar de mãos atadas até que uma nova tragédia aconteça.
— Quem sai de casa com uma faca ou arma branca sem motivos profissionais ou pessoais tem, evidentemente, o intuito de cometer um delito violento. O Estado precisa dispor de uma possibilidade jurídica de detê-lo antes que pratique um crime bárbaro — observou Santa Cruz.
ABORDAGEM DE ADOLESCENTES
Em meio ao número crescente de ataques com faca, o Ministério Público e a cúpula da segurança no Estado do Rio se reuniram na noite de quinta-feira, para discutir os limites da atuação policial na abordagem de jovens nas ruas. Foi constituída uma comissão que deverá propor novas diretrizes para orientar a ação da polícia.
O governador Luiz Fernando Pezão tem demonstrado irritação com o grande número de adolescentes apreendidos pela polícia que acabam sendo soltos pela Justiça. Na sexta-feira à tarde, em Volta Redonda, ele afirmou que está em contato com o MP e o Tribunal de Justiça, para que autores de crimes com faca permaneçam detidos:
— A polícia tem prendido 60 a 80 menores (ele não disse o período), que entram pela porta da frente da delegacia e saem pela outra. Por isso, temos que tipificar esses crimes.
O discurso vai de encontro ao do desembargador Siro Darlan, titular da Coordenadoria Judiciária de Articulação das Varas de Família. Em fevereiro, Darlan recomendou a juízes da Infância e Juventude que privilegiem a aplicação de medidas cautelares “diferentes da internação e da semiliberdade de menores”:
— O Estado é que deveria responder por ter abandonado esses jovens à própria sorte.
‘MUDAR ESTATUTO É MAIS FACIL QUE A CONSTITUIÇÃO’
A escalada de casos de ataques a faca no Rio reacendeu o debate em torno de propostas como a redução da maioridade penal e a revisão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que completará 25 anos em 2015. Segundo o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Gustavo Binenbojm, uma possível revisão do ECA teria um caminho mais curto no Congresso Nacional do que o da proposta de emenda constitucional (PEC) que altera a legislação diminuindo, de 18 para 16 anos, a idade penal.
— O ECA é uma lei ordinária, que pode ser alterada por projeto de lei — explica Binenbojm.
O professor afirma que, para mudar o estatuto, um projeto de lei apresentado por um deputado, um senador ou pela Presidência da República precisa apenas ser aprovado por maioria simples (com apoio de mais da metade dos parlamentares ) na Câmara dos Deputados e no Senado. Em seguida, a proposta segue para sanção presidencial.
Já a aprovação da PEC que reduz a maioridade penal é mais complexa. O texto precisa ser aprovado em duas votações na Câmara e no Senado. Além disso, a proposta precisa do apoio de três quintos dos 513 deputados e dos 81 senadores.
Outra dificuldade é que a redução da maioridade penal enfrenta uma polêmica no meio jurídico.
— Há juristas que entendem que a redução da maioridade é clausula pétrea da Constituição. Eles partem do princípio de que os direitos e as garantias individuais são imutáveis. Acho que esse entendimento é forçar a barra, embora acredite que a redução da maioridade penal não resolva os nossos problemas. Creio que esse assunto seja uma questão de política criminal — disse o professor.
O Globo
A posição do governador é bem relevante. Enquanto os policiais prenderem e a justiça soltar baseada no ECA, de nada vai adiantar a politica de segurança pública. As leis precisam mudar sim!
ResponderExcluirAndrea Moraes Araujo