Dois terços dos alimentos que nós ingerimos são cultivados com a ajuda das abelhas. Na busca de pólen, sua refeição, esses insetos polinizam plantações de frutas, legumes e grãos. Em tempos em que a escassez mundial de comida é pauta das autoridades no assunto – como a recomendação da ONU para consumir mais insetos – a perspectiva de ficar sem a ajuda desses seres no abastecimento alimentar seria alarmante. E é o que está acontecendo.
Em 2006, apicultores nos Estados Unidos começaram a notar que suas colônias de abelhas estavam desaparecendo. Cientistas investigaram e comprovaram o fenômeno, que foi batizado de colony collapse disorder (síndrome do colapso da colônia, CCD). Sete anos depois, o sumiço continua: no inverno de 2012 para 2013, dado mais recente, 31% das abelhas americanas deixaram de existir.
O fenômeno se repetiu na Europa, onde, segundo um levantamento do Coloss, rede de cientistas de mais de 60 países que estuda o sumiço das abelhas, algumas regiões perderam até 53% de suas colônias nos últimos anos. Japão, China e o Brasil também reportaram problemas – apicultores de Santa Catarina relataram que um terço das 300.000 abelhas do Estado bateu asas em 2012.
A escassez de polinizadores já afeta alguns cultivos. Em 2013, a queda na produção elevou o preço das amêndoas nos Estados Unidos em 43% em relação ao ano anterior, segundo informações do jornal The Telegraph. Pelo mesmo motivo, o quilo da oleaginosa na Espanha, outro produtor, chegou a quase 8 euros – o mais alto desde 2005. Na França, as vítimas foram as cerejas, que passaram a ser cultivadas na Austrália, menos afetada pela falta de abelhas. No Brasil, segundo especialistas, a redução de insetos afetou a plantação de maçãs, embora as perdas não tenham sido quantificadas. "Se o problema continuar, o modelo atual de fazendas vai se tornar insustentável. O custo de produção vai subir para o produtor e para o consumidor final, de modo que diversos fazendeiros podem acabar deixando a atividade", afirma o físico brasileiro Paulo de Souza, estudioso do tema na Organização Nacional de Pesquisa Científica e Industrial da Austrália.
Pesticidas – A causa do sumiço é um mistério que intriga os pesquisadores, a começar pelo fato de os corpos dos insetos não serem encontrados nas colmeias ou arredores. Os animais desaparecem sem deixar rastros, e os especialistas acreditam que o motivo seja uma espécie de curto-circuito no sistema de localização das abelhas, fazendo com que elas se percam. A diversidade de espécies e as peculiaridades de cada país dificultam a investigação sobre o extermínio.
Entre os principais motivos apontados está o uso de pesticidas, especialmente os neonicotinoides, uma das classes mais utilizadas por agricultores. "Os neonicotinoides têm uma segurança grande com relação aos mamíferos, principalmente o homem, por isso são bastante utilizados. O problema é que eles afetam não apenas os insetos que são considerados pragas, mas os polinizadores também", explica Aroni Sattler, professor de agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cujo trabalho envolve ajudar apicultores a descobrir a causa da perda de suas abelhas.
As suspeitas levaram a União Europeia a banir os neonicotinoides por um período de dois anos, iniciado em julho de 2013, apesar dos protestos de produtores agrícolas e as multinacionais químicas e agroalimentícias. Nesse intervalo, será avaliado o impacto da proibição na agricultura e nas abelhas, para se decidir se a regra será mantida por mais tempo. "A medida é radical, mas necessária", diz Paulo de Souza. "Foi uma medida de precaução, mesmo critério adotado na criação do Protocolo de Kyoto."
Souza lidera um estudo que vai instalar sensores em 5 000 abelhas para monitorar sua localização em tempo real e estudar as causas do extermínio. "As pesquisas nos mostram os fatores [que causam as mortes de abelhas] com alguma segurança, mas não sabemos ainda qual é o peso de qual um deles, nem como eles se combinam", diz.
Pragas – Além dos pesticidas, vírus, fungos, bactérias e outros parasitas são apontados como vilões. O principal é o ácaro Varroa destructor, que se agarra às abelhas, suga sua hemolinfa (o “sangue” dos insetos) e pode transmitir vírus aos animais.
A Austrália é, atualmente, o único país do planeta que ainda não foi atingido pelo Varroa. Para manter o status de abelhas mais saudáveis existentes, cuidados relativos à biossegurança foram adotados por lá. Segundo Souza, todos os aeroportos contam com cães especialistas em farejar frutas na bagagem dos passageiros, norma que evita a contaminação mesmo entre os Estados australianos.
Outras causas – A monocultura e o manejo inadequado das colmeias por parte dos criadores também atrapalham os insetos. Uma área de plantação extensa com apenas um tipo de planta, como a soja ou o girassol, faz com que as abelhas colocadas para trabalhar naquela região se alimentem de um tipo de pólen exclusivamente. A restrição causa má-nutrição, uma vez o pólen de cada planta possui uma composição diferente de proteína. "A abelha evoluiu com as plantas que se reproduzem por meio de flores, uma dependendo da outra, enquanto a monocultura é mais recente", explica Sattler.
Em busca de aumentar a produtividade, algumas práticas de manejo das colmeias estressam os animais, o que pode reduzir seu tempo de vida. De acordo com Paulo de Souza, criadores colocam uma espécie de "tapete grudento" na entrada da colmeia, que retém todo o pólen que a abelha recolheu durante seu voo, obrigando-a a sair novamente em busca de alimento.
Além disso, suspeita-se que a poluição do ar e até mesmo sinais de torres de celular poderiam influenciar o sistema de orientação desses insetos. Essas teorias ainda não foram comprovadas.
Enquanto o sumiço das abelhas não é desvendado, a ciência falha em encontrar formas de substitui-las. A solução mais próxima é colocar o próprio homem para fazer o trabalho. "Em regiões da China onde a população de abelhas foi reduzida drasticamente, fazendeiros de maçã precisam de empregados para fazer a polinização manual", afirma Rodolfo Jaffe, pós-doutorando do laboratório de abelhas da USP. A tarefa é realizada com auxílio de envelopes de pólen e um tipo de vareta com a qual os trabalhadores tocam as flores. Mas o processo é mais demorado e caro do que o das abelhas e menos eficiente.
Problema nacional – No Brasil, apicultores de diversos Estados têm relatado perdas substanciais – e muitas vezes inexplicáveis – em suas colmeias. Além de Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul estão entre os afetados. "Por enquanto, parece que temos casos mais isolados e em menor escala do que nos Estados Unidos e na Europa", afirma David De Jong, professor de genética da USP de Ribeirão Preto. Americano, ele veio para o Brasil na década de 1980 para estudar o ácaro Varroa – recém-descoberto na época.
Uma das razões é que as abelhas daqui são diferentes das mais comuns da Europa e dos Estados Unidos. A espécie brasileira é chamada de africanizada, porque sofreu cruzamento, há mais de cinco décadas. O resultado são insetos mais resistentes a doenças e capazes de se reproduzir mais rapidamente – com desvantagem de serem mais agressivos. "A abelha africanizada se adapta muito bem ao ambiente, exceto o frio excessivo. Por essa razão, ela não é utilizada na Europa", explica Aroni Sattler.
Para Lionel Gonçalves, professor aposentado da USP de Ribeirão Preto, o Brasil sofre com um uso indiscriminado de agrotóxicos, e não tem uma legislação de restrição efetiva. Lionel é um dos idealizadores do projeto Bee or not to be (abelhas ou não ser, em tradução livre, fazendo um trocadilho com a frase de Shakespeare), uma campanha de proteção das abelhas, lançada no ano passado. O objetivo é alertar a população e buscar apoio para proteção dos insetos no Brasil e no mundo. A campanha está recolhendo assinaturas para uma petição, que deve ser entregue ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente em novembro deste ano, exigindo ações efetivas no combate ao CCD.
Algumas medidas simples trariam grandes benefícios. "Os produtores poderiam aplicar os pesticidas na temporada certa, não durante as floradas, e com cuidado, apenas sobre o cultivo. Usá-los no fim do dia, quando as abelhas já estão em casa, também reduziria os danos", diz Sattler.
Em 2006, apicultores nos Estados Unidos começaram a notar que suas colônias de abelhas estavam desaparecendo. Cientistas investigaram e comprovaram o fenômeno, que foi batizado de colony collapse disorder (síndrome do colapso da colônia, CCD). Sete anos depois, o sumiço continua: no inverno de 2012 para 2013, dado mais recente, 31% das abelhas americanas deixaram de existir.
O fenômeno se repetiu na Europa, onde, segundo um levantamento do Coloss, rede de cientistas de mais de 60 países que estuda o sumiço das abelhas, algumas regiões perderam até 53% de suas colônias nos últimos anos. Japão, China e o Brasil também reportaram problemas – apicultores de Santa Catarina relataram que um terço das 300.000 abelhas do Estado bateu asas em 2012.
A escassez de polinizadores já afeta alguns cultivos. Em 2013, a queda na produção elevou o preço das amêndoas nos Estados Unidos em 43% em relação ao ano anterior, segundo informações do jornal The Telegraph. Pelo mesmo motivo, o quilo da oleaginosa na Espanha, outro produtor, chegou a quase 8 euros – o mais alto desde 2005. Na França, as vítimas foram as cerejas, que passaram a ser cultivadas na Austrália, menos afetada pela falta de abelhas. No Brasil, segundo especialistas, a redução de insetos afetou a plantação de maçãs, embora as perdas não tenham sido quantificadas. "Se o problema continuar, o modelo atual de fazendas vai se tornar insustentável. O custo de produção vai subir para o produtor e para o consumidor final, de modo que diversos fazendeiros podem acabar deixando a atividade", afirma o físico brasileiro Paulo de Souza, estudioso do tema na Organização Nacional de Pesquisa Científica e Industrial da Austrália.
Pesticidas – A causa do sumiço é um mistério que intriga os pesquisadores, a começar pelo fato de os corpos dos insetos não serem encontrados nas colmeias ou arredores. Os animais desaparecem sem deixar rastros, e os especialistas acreditam que o motivo seja uma espécie de curto-circuito no sistema de localização das abelhas, fazendo com que elas se percam. A diversidade de espécies e as peculiaridades de cada país dificultam a investigação sobre o extermínio.
Entre os principais motivos apontados está o uso de pesticidas, especialmente os neonicotinoides, uma das classes mais utilizadas por agricultores. "Os neonicotinoides têm uma segurança grande com relação aos mamíferos, principalmente o homem, por isso são bastante utilizados. O problema é que eles afetam não apenas os insetos que são considerados pragas, mas os polinizadores também", explica Aroni Sattler, professor de agronomia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, cujo trabalho envolve ajudar apicultores a descobrir a causa da perda de suas abelhas.
As suspeitas levaram a União Europeia a banir os neonicotinoides por um período de dois anos, iniciado em julho de 2013, apesar dos protestos de produtores agrícolas e as multinacionais químicas e agroalimentícias. Nesse intervalo, será avaliado o impacto da proibição na agricultura e nas abelhas, para se decidir se a regra será mantida por mais tempo. "A medida é radical, mas necessária", diz Paulo de Souza. "Foi uma medida de precaução, mesmo critério adotado na criação do Protocolo de Kyoto."
Souza lidera um estudo que vai instalar sensores em 5 000 abelhas para monitorar sua localização em tempo real e estudar as causas do extermínio. "As pesquisas nos mostram os fatores [que causam as mortes de abelhas] com alguma segurança, mas não sabemos ainda qual é o peso de qual um deles, nem como eles se combinam", diz.
Pragas – Além dos pesticidas, vírus, fungos, bactérias e outros parasitas são apontados como vilões. O principal é o ácaro Varroa destructor, que se agarra às abelhas, suga sua hemolinfa (o “sangue” dos insetos) e pode transmitir vírus aos animais.
A Austrália é, atualmente, o único país do planeta que ainda não foi atingido pelo Varroa. Para manter o status de abelhas mais saudáveis existentes, cuidados relativos à biossegurança foram adotados por lá. Segundo Souza, todos os aeroportos contam com cães especialistas em farejar frutas na bagagem dos passageiros, norma que evita a contaminação mesmo entre os Estados australianos.
Outras causas – A monocultura e o manejo inadequado das colmeias por parte dos criadores também atrapalham os insetos. Uma área de plantação extensa com apenas um tipo de planta, como a soja ou o girassol, faz com que as abelhas colocadas para trabalhar naquela região se alimentem de um tipo de pólen exclusivamente. A restrição causa má-nutrição, uma vez o pólen de cada planta possui uma composição diferente de proteína. "A abelha evoluiu com as plantas que se reproduzem por meio de flores, uma dependendo da outra, enquanto a monocultura é mais recente", explica Sattler.
Em busca de aumentar a produtividade, algumas práticas de manejo das colmeias estressam os animais, o que pode reduzir seu tempo de vida. De acordo com Paulo de Souza, criadores colocam uma espécie de "tapete grudento" na entrada da colmeia, que retém todo o pólen que a abelha recolheu durante seu voo, obrigando-a a sair novamente em busca de alimento.
Além disso, suspeita-se que a poluição do ar e até mesmo sinais de torres de celular poderiam influenciar o sistema de orientação desses insetos. Essas teorias ainda não foram comprovadas.
Enquanto o sumiço das abelhas não é desvendado, a ciência falha em encontrar formas de substitui-las. A solução mais próxima é colocar o próprio homem para fazer o trabalho. "Em regiões da China onde a população de abelhas foi reduzida drasticamente, fazendeiros de maçã precisam de empregados para fazer a polinização manual", afirma Rodolfo Jaffe, pós-doutorando do laboratório de abelhas da USP. A tarefa é realizada com auxílio de envelopes de pólen e um tipo de vareta com a qual os trabalhadores tocam as flores. Mas o processo é mais demorado e caro do que o das abelhas e menos eficiente.
Problema nacional – No Brasil, apicultores de diversos Estados têm relatado perdas substanciais – e muitas vezes inexplicáveis – em suas colmeias. Além de Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul estão entre os afetados. "Por enquanto, parece que temos casos mais isolados e em menor escala do que nos Estados Unidos e na Europa", afirma David De Jong, professor de genética da USP de Ribeirão Preto. Americano, ele veio para o Brasil na década de 1980 para estudar o ácaro Varroa – recém-descoberto na época.
Uma das razões é que as abelhas daqui são diferentes das mais comuns da Europa e dos Estados Unidos. A espécie brasileira é chamada de africanizada, porque sofreu cruzamento, há mais de cinco décadas. O resultado são insetos mais resistentes a doenças e capazes de se reproduzir mais rapidamente – com desvantagem de serem mais agressivos. "A abelha africanizada se adapta muito bem ao ambiente, exceto o frio excessivo. Por essa razão, ela não é utilizada na Europa", explica Aroni Sattler.
Para Lionel Gonçalves, professor aposentado da USP de Ribeirão Preto, o Brasil sofre com um uso indiscriminado de agrotóxicos, e não tem uma legislação de restrição efetiva. Lionel é um dos idealizadores do projeto Bee or not to be (abelhas ou não ser, em tradução livre, fazendo um trocadilho com a frase de Shakespeare), uma campanha de proteção das abelhas, lançada no ano passado. O objetivo é alertar a população e buscar apoio para proteção dos insetos no Brasil e no mundo. A campanha está recolhendo assinaturas para uma petição, que deve ser entregue ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Meio Ambiente em novembro deste ano, exigindo ações efetivas no combate ao CCD.
Algumas medidas simples trariam grandes benefícios. "Os produtores poderiam aplicar os pesticidas na temporada certa, não durante as floradas, e com cuidado, apenas sobre o cultivo. Usá-los no fim do dia, quando as abelhas já estão em casa, também reduziria os danos", diz Sattler.
Fonte: Revista Veja
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