Marcadores da Apac mostram barragem completamente seca em São José do Egito (Foto: Luna Markman / G1)
A crença católica diz que se chover até o Dia de São José, celebrado nesta terça-feira (19), a safra vai ser boa. Quinze cidades pernambucanas que têm o santo como padroeiro estão em situação de emergência por causa da longa estiagem, mas os agricultores aguardam ansiosamente pela chuva, que não cai em bom volume há muito tempo. Os primeiros decretos municipais de calamidade foram reconhecidos pelo Ministério da Integração em março de 2012. A seca atinge 132.750 mil pessoas nesses 15 municípios, segundo a Comissão de Defesa Civil de Pernambuco (Codecipe), a maior parte vivendo nas zonas rurais.
Sindicatos de trabalhadores rurais e autoridades das prefeituras municipais pedem mais ações dos governos estadual e federal, como envio de ração animal e carros-pipa, perfuração de poços e construção de barragens. O governo estadual apontou algumas dificuldades operacionais e infomou ações previstas para este ano. Mesmo neste cenário verde desbotado, muitos agricultores continuam com fé no santo, à espera de que brotem novamente as cores no roçado.
É o caso de Natanael e Erivaldo Brito, pai e filho. Eles moram no Sítio Ipueira, em São José do Egito, no Sertão. Como para todas as famílias daquela zona rural, a água chega em carros-pipa, só para o consumo humano. Assim, não conseguem mais plantar milho e feijão. Sem ter o que dar de comer e beber aos animais, perderam metade das galinhas e do gado. O mais velho se agarra à imagem de São José que roubou da mãe anos atrás. "Naquela época, não tinha chuva, então 'carreguei' dela e rezei o terço. Deu certo, tiramos até renda, mas ela reclamou tanto... Fico nervoso até hoje se escuto um trovão e não deixo de ter fé nele, fé de que vai chover", diz.
Fé x previsão do tempo
Em várias tradições religiosas, trabalhadores da terra desenvolveram mitos, ritos e louvores a deuses e santos para conseguir boas colheitas e, consequentemente, alimento para os animais, como explica o professor de teologia da Universidade Católica de Pernambuco, Artur Peregrino. “Colocado no calendário romano no século 15, o dia 19 de março é de súplica por chuva a São José, na tradição católica", explica. Segundo o estudioso, José, pai de Jesus Cristo, era carpinteiro, mas acredita-se que em épocas de plantio e colheita ele também trabalhava na agricultura. "A gente pode presumir que, por marcar a chegada de um período mais chuvoso, o dia 19 foi simbolicamente escolhido para celebrar o santo, que virou patrono dos agricultores e declarado pelo papa Bento XV como patrono da justiça social", informa o estudioso.
A climatologia explica o porquê dos céus mais cinzentos em março. É neste mês que ocorre o equinócio, marcando o ponto da órbita da Terra em que o dia e a noite têm a mesma duração. É a transição do verão para o outono, no Brasil e, como nos últimos cinco anos, o fenômeno acontecerá nesta quarta-feira (20). "Neste período, espera-se que as chuvas se intensifiquem devido à Zona de Convergência Intertropical estar mais situada ao sul, entre outros fatores", explica o metereologista Vinícius Gomes, da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac).
No entanto, não choveu nada nas duas primeiras semanas deste mês nas 15 cidades, segundo relatório da Apac, que ainda alerta. "A previsão climática é de que as chuvas para os meses de março, abril e maio sejam abaixo da média", informa o metereologista. De acordo com a instituição, em março costuma chover cerca 133,5 milímetros no Sertão; 89,1 milímetros no Agreste; e 149,1 milímetros na Zona da Mata.Em fevereiro passado, choveu apenas cerca de 8,6% do esperado no Sertão, 15,2% no Agreste e 34,4% na Zona da Mata.
Festa cancelada e 100% da população prejudicada
Por causa dos efeitos da estiagem e da previsão do tempo nada otimista, a Prefeitura de Capoeiras, no Agreste, decidiu cancelar a programação profana da festa de São José. "Os R$ 300 mil que seriam usados para pagar bandas e montar toda a infraestrutura agora servirão para doar cestas básicas e água mineral a pelo menos três mil famílias cadastradas, além da contratação de carros-pipa, recuperação de poços artesianos e limpeza de cacimbas [espécie de poço] de minação", afirma o secretário municipal de Administração, Gildo Marques.
Segundo a Codecipe, a seca afetou 100% da população de Capoeiras, que tem 19 mil habitantes. Ninguém mais consegue plantar e 70% do rebanho foi perdido. A cidade tinha a maior feira de gado do Agreste Meridional. O maior açude da cidade, o Gurjão, que também abastece parte de São Bento do Una e Caetés, está com 21% da capacidade. A água é encanada pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e chega nas casas da zona urbana a cada 72 horas.
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Ao todo, 18 carros-pipa levam água de fontes de Garanhuns para a zona rural de Capoeiras. "Atualmente, há também 22 poços, sendo cinco recentemente recuperados. O governo estadual prometeu perfurar mais cinco e construir quatro barragens de médio porte. Vamos esperar por essa ajuda", informa o secretário. Sem trabalho no campo, agricultores e criadores batalham empregos na cidade. "Só nesses três primeiros meses do ano, cerca de 800 pessoas vieram aqui na prefeitura pedindo trabalho. Conseguimos contratar uns cem", complementa Marques.
Morador do Sítio Mimosos, Jadiel Mariano conseguiu uma vaga na Secretaria Municipal de Educação como entregador de merenda. "Agora, vou ganhar um salário mínimo. Quando muito, estava 'tirando' só R$ 90 por semana nos roçados. Vai dar para fazer a feira, comprar água, mandar dinheiro para minha filha em São Paulo", enumera.
Já Maria Milda Gueiros ainda espera uma chance. No Sítio Cascavel, a 21 km do centro de Capoeiras, ela mantém marido e dois filhos com o leite que vende de dez vacas "magrinhas" e R$ 184 do Bolsa Família. "Vim aqui na Prefeitura topando o que vier, posso varrer rua, qualquer coisa. Estamos vivendo ‘imprensado' demais", comenta.
Desemprego generalizado
Um dos resultados mais evidentes da seca é o aumento do desemprego no campo, que o G1 constatou em várias cidades visitadas, além de Capoeiras. Em São José do Egito, dezenas de granjas criadoras de aves de postura de ovos fecharam. Também no Sertão, Custódia, quinto maior produtor de ovinos do estado, segundo a Agência Condepe/Fidem, perdeu quase todo o rebanho.
Em Carpina, na Mata Norte, a seca diminuiu a colheita da cana-de-açúcar. No Agreste, até 40% das fábricas de beneficiamento de leite de Venturosa, integrante de peso da bacia leiteira pernambucana, não estão funcionando por falta de matéria-prima. Sétimo produtor de frutos no ranking estadual, a região brejeira do Brejo da Madre de Deus reduziu para até 10% as áreas plantadas de banana, principal cultura agrícola. Falta de água e acesso a ração animal com preço barato são os principais problemas que afetam a agricultura e a pecuária, segundo as prefeituras desses municípios.
Bezerros, também no Agreste, é outra cidade que sofre com a falta de trabalho nos roçados. "A cidade toda está sendo abastecida por carro-pipa, e a água é destinada apenas para o consumo humano, não dá para plantar nem criar nada. Na cultura de hortaliças, o desemprego atinge cerca de 40% dos produtores", comenta o secretário municipal de Agricultura, Erotides Bonifácio de Lima Neto.
Na comunidade de Juá, no distrito de Sítio dos Remédios, Zona Rural de Bezerros, Helenice Lindinalva da Silva ainda teimou em plantar mandioca com a 'chuvinha' que deu no fim de janeiro deste ano, mas a água não foi suficiente para a raiz da planta se desenvolver. Perdeu tudo. "Recebo R$ 70 do Bolsa Família e complemento a renda fazendo faxina, umas costuras, vendendo um pouco de palma [planta que serve de ração para o gado]. A gente tem que dar um jeito", acredita.
Adenilse Alderita de Souza também perdeu a renda que ganhava plantando milho e feijão, em Juá. "Tive que inventar alguma coisa para não ficar parada. Há uns cinco meses, aprendi com minha filha a costurar calcinha e cueca, que ela vende na [feira da] Sulanca, em Caruaru. Logo no início ficou meio 'derrubada' [a costura], mas a gente vai melhorando", brinca. Junto com outra filha, produz até 150 peças por dia, em um quartinho apertado. Ao final do mês, ganha até R$ 300, dinheiro dividido entre as duas.
E Aldenise já quer aumentar o imóvel e batizar o futuro empreendimento. "Confecções São José é um bom nome", avalia. Perto da casa dela, uma capelinha dedicada ao santo foi construída em 1989. Ao lado, fica uma cisterna onde moradores de Juá pegam água. Superando as dores no corpo, Maria Alexandre da Silva, 65 anos, empurra um carrinho de mão com dois galões de água para beber, cozinhar e outros afazeres domésticos. Neste dia 19, tem outro compromisso ali. "Vou rezar, pedir para São José saúde, coisas boas para nós e chuva para a gente poder plantar milho para comer no São João", afirma.
Ações abaixo da meta
O último boletim da Codecipe, divulgado no começo de março, informa que 132 municípios pernambucanos estão em situação de emergência, sendo 122 reconhecidos pelo Ministério da Integração. Para as prefeituras, o reconhecimento dos decretos de emergência pela seca serve como um pedido de socorro aos governos estadual e federal.
Diante da calamidade, em abril do ano passado, foi instalado um Comitê Integrado de Enfrentamento à Estiagem de Pernambuco, numa parceria entre os governos estadual e federal, para buscar recursos e coordenar ações. O mais recente balanço da Operação Seca e Águas para Todos mostra que R$ 19 milhões foram investidos pela Codecipe em ações de assistência à população; no entanto, algumas ações foram realizadas bem abaixo da meta estipulada.
É o caso dos poços: em 2012, foram 383 poços perfurados, apenas 23,9% do que estava programado pelo Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA). Também foram instalados 207 poços (20,7% da meta) e 92 poços recuperados (23% da meta). O governo apontou dificuldade técnicas e operacionais. "O índice de poços secos é muito alto, pois nem todos os terrenos têm as condições geológicas necessárias. Então, temos que estudar locais que obedeçam os critérios para a gente não perder o investimento, o custo de contratar uma perfuração e ela não dar o resultado esperado", detalha o secretário-executivo do Comitê Integrado de Convivência com o Semiárido, Reginaldo Alves.
Segundo o secretário, a meta para 2013 é perfurar e instalar 1,2 mil poços e recuperar 400 em todo estado. Cada cidade em situação de emergência deve ganhar cinco poços, cuja execução é feita em convênio entre as prefeituras municipais e o IPA, além de outras iniciativas livres do próprio instituto.
O secretário também sinalizou problemas operacionais na questão dos carros-pipa. O Comitê afirma que estão em atividade hoje cerca de 1,5 mil carros-pipa, sendo 838 do Exército e 646 do governo, atendendo 1,1 milhão de pessoas nas cidades em emergência. Estão fora dessa conta os veículos pagos pelas prefeituras. "Algumas cidades têm carros-pipa com contratação liberada, mas não encontram veículos para contratar, ou seja, está faltando no mercado. Mas, certamente, esse número vai aumentar esse ano, especialmente no Agreste", aponta.
Outro "calo" das metas de 2012 foi que apenas 38,6% das cisternas previstas foram instaladas, totalizando 11.960. Segundo o Comitê, há pelo menos 11.905 famílias cadastradas para receber esse tipo de reservatório. "Essa meta é a longo prazo, com distribuição de 21 mil cisternas de 2012 a 2014", diz o secretário. Até o próximo ano, a expectativa é que 15,5 mil cisternas do tipo calçadão, espécie de calçada inclinada por onde escorre a água até a cisterna, sejam implantadas.
O secretário de Agricultura de Pernambuco, Ranílson Ramos, reforça que haverá ações estruturadoras em todos os municípios em situação de emergência. "Até dezembro de 2014, por meio do programa Água para Todos, cada município vai receber sete sistemas de abastecimento de água, beneficiando 400 famílias por sistema, totalizando 47 mil famílias, e quatro barragens, que irão atender no total 22 mil famílias", disse.
Incertezas
Muitos trabalhadores rurais estão sobrevivendo de auxílios financeiros governamentais. Segundo o Comitê, em 2012, 102 mil famílias receberam o Garantia Safra, no valor de R$ 1.240, e a meta este ano é ampliar para mais 27,4 mil famílias. Já o Bolsa Estiagem (R$ 720) beneficia 86 mil famílias e o Chapéu de Palha (R$ 280), 182 mil. Os dois primeiros são programas do governo federal. "A continuidade do Chapéu de Palha, cuja gestão é do governo estadual, ainda não está garantida para 2013. Agora, há uma necessidade enorme de investir recursos no cuidado ao rebanho", argumenta o secretário Reginaldo Alves.
De acordo com ele, para amenizar a falta de ração animal, estão sendo construídos seis polos de distribuição de cana no Agreste, nas cidades de Garanhuns, Surubim, Caruaru, Itaíba, São Bento do Una e Arcoverde. O investimento é de R$ 15 milhões e deve entrar e funcionamento a partir desta semana. Para o Sertão, serão implantados 700 hectares de milho irrigado em Cabrobó, Serrita, Cedro, Ibimirim e Inajá, que vão produzir 20 toneladas de forragem nos próximos 90 dias.
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